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[coLUna] #2: inteligência is the new black
💖o guia definitivo de como ser mais inteligente💖
Calma! Esse não é um passo-a-passo de “tudo que você deveria ler e saber essa semana para se tornar mais inteligente em cinco minutos”. Também não vou explorar essas linhas com um conteúdo sobre como adquirir “Capital Cultural”, porque fazê-lo seria ignorar a origem sociológica e a profundidade necessária do assunto (se você tiver interesse, vale começar por esse vídeo sobre o tema).
Mas a verdade é que, nas últimas semanas, essa temática tomou conta da minha for you, com dicas que, sem me desfazer de assunto algum, instauraram na minha mente uma primeira dúvida – lado a lado com um pequeno susto: “quando foi que parecer inteligente se tornou suficiente?”.

Fonte: reprodução YouTube Vogue
Não me levem a mal. Em oposição ao discurso crescente nos últimos anos, responsável por desvalorizar a educação e a sua importância nas construções individuais e na construção da sociedade como um todo, o movimento de reconhecer o valor dos estudos parece iluminar o caminho. Perceber que, na contramão da ideia de “esposa troféu” que ganhou destaque nas redes sociais, voltamos os nossos olhares para a educação é como respirar ar fresco. Ainda bem que “ser inteligente está na moda” – e que na Fendi Vintage da Olivia Rodrigo cabe um livro de Clarice Lispector.
@luizallea ser inteligente é o novo cool! entre moda, mercado e política, o capital cultural é a moeda mais poderosa da vez. #modatiktok
Mas ser inteligente tem muito pouco ou quase nada a ver com parecer inteligente, pelo menos nos formatos atuais.
É que, para parecer inteligente, não basta ler sobre o assunto (seja ele qual for) que realmente te interessa. É preciso postar um review completo do último livro, atrelado à contagem da meta de leituras do ano. Deus me livre ler devagar e no meu ritmo, já que todo mundo parece estar lendo pelo menos quatro livros por mês e prestes a completar o 48/48 (assim mesmo, com as barras indicando a contagem em todos os posts).
Não basta, também, ler só ficção. Você precisa ler livros cultos o suficiente para justificar a cara de intelectual que ganhou com seus novos óculos das Zerezes (nada contra, tenho um na minha wishlist, mas vocês entenderam o ponto). Precisa atualizar o Goodreads ou, no mínimo, os stories do Instagram para se certificar, e a todos à sua volta, que você faz parte do setor da sociedade privilegiado o suficiente (e inteligente o suficiente) para não gastar todas as suas horas online. Você lê - e tem provas o suficiente disso.
Tudo isso sob pena de ficar de fora da última moda e de não ser descolado o suficiente. Afinal de contas, se as páginas dos Pinterest estão cobertas de livros, nós também precisamos estar.

Pinterest: https://pin.it/7jAnFwk6g
Não sobra, por fim, tempo (nem energia) para estudar sobre os temas que realmente importam a cada um. Para ler aquele romance que você está adiando há anos ou para se dedicar àquele artigo que é importante na sua área de atuação – mas que não ocupou os índices do Creator Search Insights da última semana.
Mas não para por aí. Nessa avalanche de parecer acima do ser, todo mundo sente que precisa saber falar sobre Dostoiévski com propriedade e, pasme, sobre o tal Capital Cultural e mais. Só mesmo assim para entrar na roda da conversa composta por vídeos profundamente profundos - que não ultrapassam a casa dos três minutos. 😊
Aí vem o meu segundo susto. Bu! Nessa onda, é necessário ser inteligente a ponto de aprender todos esses temas por meio de um vídeo de (adivinhe!) três minutos, no máximo, dez (mas na velocidade 2x, por favor).
Viralizam guias rápidos sobre inteligência, abarrotados de todo e qualquer tipo de dica. Desde os temas que precisam ser aprofundados até os livros que precisam ser lidos. Como se, depois disso, o lugar cativo na sala dos inteligentes estivesse garantido. Do contrário, “você não pode sentar com a gente”.

Fonte: Pinterest
Como se pudéssemos pegar um livro da prateleira e absorvê-lo como uma injeção. Como se não fosse necessário construir repertório para entender o que está sendo dito. Como se pensar fosse só o último acessório desejo da estação.
Do lado de cá, sinto vontade de caminhar pelo outro lado da moeda, e gosto de pensar em um 💖Guia Para Ficar Mais Inteligente💖 sem fórmulas prontas, o que, a depender do destinatário, pode ser uma decepção ou, como eu vejo, uma libertação.
O passo um, e verdadeiramente o mais importante, é tentarmos – apesar das tentações e das pressões – nos afastar da ideia de querer parecer coisa alguma além daquilo que somos.
E o passo dois – o último e consequência do primeiro – é entender que inteligência (e cultura!) são conceitos absolutamente complexos e amplos. Você pode ser inteligente à sua maneira, sem necessariamente forçar uma opinião sobre um tema que não domina. Você pode ser boa em matemática e ter o último romance da Emily Henry como livro de cabeceira, sem perder de vista suas opiniões políticas.
Está tudo bem em ler o que está todo mundo lendo, mas o contrário também é verdadeiro: você pode ler aquilo que só você gosta. Ser inteligente é construção. É um movimento, e não há tema algum que, isoladamente, nos garanta essa característica. Não tem atalho: estudar, independentemente da performance nas redes sociais, e admitir que ainda (e sempre!) há muito para aprender ainda é a forma mais segura de desenvolver pensamento crítico. Pensar por nós mesmas is the ultimate black e funciona em qualquer roda de conversa.
Tentaram nos vender que estilo era uma fórmula pronta. Agora querem colocar nos nossos carrinhos a fórmula da inteligência. Prefiro não comprar.

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