[coLUna] #6: "maktub"

Já estava escrito: essa vida é só minha e não há relógio que me faça atrasar.

Em uma noite absolutamente cotidiana das últimas semanas, depois de um dia igualmente comum, meu cérebro resolveu despertar e relembrou (sabe-se lá o porquê, acho que é o meu espírito Lorelai Gilmore em ação) um vídeo que apareceu em uma das minhas quinhentas e setenta redes sociais diferentes.

O vídeo era de uma brincadeira entre duas pessoas, que acredito formarem um casal, em que um perguntava ao outro algo mais ou menos assim: “você acha que agora, no Brasil, existem dez milhões de pessoas dentro de um carro?”. Além de rir do conteúdo, percebi-me completamente sem noção de números e, respeitando as ambiguidades que habitam em mim, completamente consciente da quantidade de pessoas vivendo as suas próprias vidas na minha cidade, no meu país e no mesmo mundo que eu.

Respirei fundo. Olhei pro meu marido e, depois de perguntar se ele achava que mais de cem milhões de brasileiros estavam dormindo naquele minuto, fechei os olhos e agradeci pelo encontro que me permitiu passar a vida ao lado do meu melhor amigo, mesmo no meio de tanta gente.

É claro que a minha cabeça não parou – seria incrível se todos esses pensamentos fascinantes aparecessem ao longo do dia, mas há algo sobre as madrugadas. Me coloquei a pensar sobre as coincidências da vida. Ou sobre o destino, se é que acredito nele.

Nas definições do Google, além do significado imediato que nos leva a “local”, destino aparece como “tudo que é determinado pela providência ou pelas leis naturais; sorte (...) fortuna.” No Michaelis, algo semelhante aparece: “Série de fatos a que supostamente estão sujeitas as pessoas e as coisas do Universo, independentemente da vontade humana (...)”.

Para Vanessa da Mata, “Neste mundo de tantos anos, Entre tantos outros, Que sorte a nossa, hein?”. No dicionário pop feat. country que adoramos, “No need to go nowhere fast (...) Who knows where this road is supposed to lead? (...) Everything’s gonna be alright. If it’s meant to be, it’ll be...” (Não é preciso ir a lugar nenhum com pressa (...) Quem sabe até onde essa estrada deve levar? (...) Tudo vai ficar bem. Se for pra ser, vai ser – tradução livre).

No guia prático de “como ser controladora, mas fingir que nem tanto assim”, eu tagarelo pra cá e pra lá, aos quatro cantos do mundo: “Se for pra ser, vai ser.” A realidade não é bem assim: o tal traço controlador da minha personalidade, apesar de todas as minhas crenças, esbarra constantemente naquilo-que-tem-que-ser.

Volto a pensar no destino.

Conheci uma das minhas melhores amigas porque um dia, depois de uma aula de filosofia no primeiro período da faculdade, ela resolveu perguntar se minha blusa era da Zara. Deixemos de lado o absurdo do nosso encontro ter se dado graças ao consumismo: alguns meses depois, descobrimos que nossas avós trabalharam juntas por muitos anos. Nossas famílias já se conheciam e, até então, eu ainda não sabia a dimensão a que nossa amizade alcançaria.

Outra grande amiga foi colega do meu marido no colégio. Minhas famílias materna e paterna são de cidades próximas. Um casal de conhecidos passou mais de dez anos em países diferentes, para depois se reencontrar, ainda apaixonados.

Quantas coincidências cabem dentro de uma mesma vida? E se tudo isso for mesmo verdade? Será que até nós, que gostaríamos de prever e interferir inclusive na previsão do tempo, conseguiríamos confiar que uma parte enorme daquilo que nos acontece está fora da nossa zona de controle?

Se pensarmos nas pessoas à nossa volta, esse exercício parece absolutamente palpável. Pensa bem: por que logo aquela menina de olhos cor de mel ficou na sua turma na segunda série B do ensino fundamental, de forma que vocês se aproximaram tanto, que é como se uma nunca tivesse existido sem a outra? Eu sei que você já viveu algo parecido.

Somos um em um milhão (ou, na verdade, em bilhões). Isso é absolutamente assustador e, ao mesmo tempo que me faz consciente da minha insignificância, me torna gigante: “entre tantos outros”, eu é que vim parar aqui. Essa vida é mesmo só minha e não há outro lugar mais importante para estar. Não há mais ninguém ocupando essa mesma cadeira (o que, além de ser uma lei da física, parece ser uma lei do destino, que, afinal, pertence a cada um e a cada um somente).

Que madrugada longa! Mas acho que entendi: no meio de tantas curvas e de tantos caminhos possíveis, há uma certa mágica em acreditar que o caminho é mesmo único e que, assim, não há relógio no mundo que possa me atrasar para os encontros que a vida preparou. Nem mesmo esse que me avisa, agora, que já são duas da manhã.

Fonte: Pinterest

Maktub, ou, “Já estava escrito” repetiam os personagens da minha novela favorita (obrigada, Jade e Zoraidinha). Depois de todos esses anos, essa expressão fica na minha mente como o lembrete de que é preciso abraçar aquilo que a vida traz até nós. O destino não é nosso inimigo. Ao menos, eu estou tentando fazer as pazes com ele, sem perder de vista a vontade de fazer o melhor – com a parte que consigo controlar.

Maktub. Eu precisava ver aquele vídeo para pensar, no meio das curvas doidas da minha mente, em tudo isso. Chegamos até aqui e, só pelos próximos minutos, prefiro acreditar que aquilo que é meu eventualmente vai chegar até mim. Ufa! Acho que agora consigo dormir. Mal posso esperar pelo amanhã que está reservado (só) para mim. Por hoje, boa noite. 

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