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[coLUna] #7: o bigode do meu avô
as marcas que fazem de nós os nossos.
Há muito pouco (ou quase nada) que me distraia mais do que uma volta despretensiosa pelo shopping, com tempo para observar as vitrines e as pessoas, lado a lado com uma visita não tão despretensiosa à praça de alimentação. Em um desses passeios recentes, em meio a uma escada rolante e com um gelato de chocolate como testemunha, avistei um senhor, na casa dos oitenta (e tantos, imagino) anos de idade. Quase deixei o copinho da felicidade nas minhas mãos cair, porque tive a sensação nítida de estar vendo meu avô.
É o poder da imaginação associado a doses enlouquecedoras de saudade. Meu avô já não está mais neste plano desde o ano de 2017. Ainda assim, algo naquele senhor me fez encontrá-lo e não precisei pensar duas vezes para saber a resposta: o bigode. Os traços do bigode branco do Sr. Oswaldo (nome fictício que tomei a liberdade de criar) me fizeram viajar no tempo, até o colo e a voz doce do meu avô, João.

Pensei muito nele naquele dia. No bigode, nos olhos claros e em todos os traços que faziam dele o meu avô. Pensei no retrato de uma irmã (minha tia-avó), que ele insistia em dizer ser parecida comigo. Nunca enxerguei a semelhança, mas, quanto mais o tempo passa, mais entendo a ternura com que ele me olhava - reconhecendo em mim um dos seus.
Tenho trinta e um anos. Minha mãe me teve com trinta e dois e, nos últimos anos, comecei a reconhecer com mais frequência os traços dela que estão marcados em mim. Uso as unhas mais curtas, parecidas com as dela e, volta e meia, me assusto ao encarar minhas mãos no volante.
Passo depressa pelo espelho e vejo em mim traços cuja origem conheço exatamente. Às vezes, morro de rir. Em outras tantas oportunidades, me emociono por enxergar, no meu rosto, partes da minha mãe que não pude ver envelhecer. Em todos esses casos, me pego pensando na beleza de nos parecermos com aqueles que amamos, carregando traço por traço, marca por marca, daqueles que vieram antes de nós.
Ao reconhecê-los, me reconheço, também, dentro de mim. “Percebo o quanto tenho imitado e incorporado gestos e expressões da minha mãe (...) Ela agora mora no meu corpo e na minha memória (...)” disse Noemi Jaffe no livro “Lili”.
Do outro lado da moeda, me identifico também com a vontade incessante de alterar, vez ou outra, cada um dos meus genes para construir uma versão de mim mais adequada aos padrões daquilo que chamamos de beleza.

Segundo uma pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, o Brasil lidera o ranking de cirurgias plásticas estéticas no mundo, dado que não é, por si só, assustador. Mas que, somado às celebridades irreconhecíveis após inúmeros procedimentos estéticos, aos baixos estoques de canetas emagrecedoras e às propagandas constantes sobre o novo preenchimento da moda, revela uma busca que não é necessariamente por autoestima, mas por perfeição.
Na era das harmonizações faciais, é possível mexer no nosso rosto como se, ao contrário de humanos, nossa pele e nossas expressões fossem parte de uma experiência. Ou, no meu imaginário de uma criança dos anos 2000, de um jogo de The Sims.

O céu é o limite e fica mesmo difícil saber quando parar de jogar. Só mais alguns ml de ácido hialurônico e voilà! Você está a cara da Angelina Jolie. Uma micropigmentação a mais e somos todas a Malu Mader nos anos noventa. É cada dia mais fácil ser perfeita. Cada dia mais difícil sermos nós mesmas.
Não sou imune a nada disso. Mas, no meio do caminho, consigo entender que há (também) beleza em sermos parecidos com nós mesmos e em carregar não as linhas perfeitas e simétricas advindas de um bisturi, mas aquelas absolutamente únicas e próprias das gerações anteriores.
Sabe aquele nariz diferente, que você e sua família fazem piada, mas que ajuda vocês a se reconhecerem enquanto donos do mesmo sobrenome? Não há cirurgião capaz de reproduzir nada assim.
Querer estar bem é válido - e que bom que temos meios para isso. Mas entre enxergar simetria e enxergar as mulheres que vieram antes de mim, vou continuar escolhendo cada uma delas e tenho certeza que os netos do Sr. Oswaldo vão amar, um dia, se enxergar bigodudos e parecidos com o avô.


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