[coLUna] #1: ruptura & hobbies

o que sobra da nossa identidade para além dos nossos trabalhos e relacionamentos?

A ideia inicial da primeira edição da nossa – porque espero que esses textos não sejam só meus – coLUna era de me apresentar, para que a partir disso faça sentido pra você, aí do outro lado da tela, ler o que eu escrevo. A missão aparentemente simples, porém, me deixou mais confusa do que imaginei. Logo eu, que adoro falar de mim mesma.

Queria algo de impacto, como “Amelia Mignonette Grimaldi Thermopolis Renaldi, Princess of Genovia”. Mas percebi que é insuficiente dizer que me chamo LUciana ou que estou na casa dos meus trinta anos. É pouco dizer que sou ex-advogada com ênfase no ex, fruto de uma transição de carreira para criar uma marca, em relação à qual me dediquei por cinco anos. Como explicar que, agora, sem um título funcional imediato (Princess of Genovia, por exemplo) e nessa nova transição para outros projetos, acho difícil dizer quem eu sou?

Nesse emaranhado de pensamentos caóticos e, como boa zelier que sou, a série “Ruptura” da Apple TV alugou um verdadeiro triplex na minha cabeça. Para além da problemática de controle dos funcionários e toda a ficção tecnológica que inspira e assusta, me peguei pensando, quem sou eu (ou quem eu seria) se desvinculassem minhas memórias do meu trabalho? Para além das implicações problemáticas que já vimos Mark S. (ou Irving B., meu favorito pessoal) enfrentar, o que sobra de mim para além da minha profissão? O que a minha outie faz no seu tempo livre?

Talvez – e sem generalizações excessivas – essa pergunta fosse facilmente respondida por um homem. Eles que se dizem apaixonados por futebol, por carros ou aficionados por tecnologia e videogames. Mas na agenda ou no planner cheio de canetas coloridas de uma mulher quase não sobra tempo (ou energia) para hobbies. Quase não há espaço para sermos quem somos desvinculadas de qualquer função: mulheres e não (somente) advogadas, princesas, arquitetas, empresárias, mães, esposas e filhas.

Foi nessa linha que uma grande amiga, há algumas semanas, me perguntou “você tem algum hobby?”. Na oportunidade, ela me contou que a terapeuta fez essa pergunta e ela também não soube responder. Não se lembrava a última vez que tinha feito alguma coisa só pelo prazer de fazer.

Esse assunto foi pauta também do bate-papo entre Ana Paula Padrão e Tata Estaniecki, no “Pod Delas”, ocasião em que a jornalista convidada contou que, em suas palestras, as mulheres têm dificuldade em responder à pergunta “o que faz você feliz?” com respostas que digam respeito a elas mesmas e seus desejos individuais. Frequentemente, a felicidade está relacionada a seus familiares ou a seu trabalho – mas não à própria identidade. “Mulher não tem hobby, porque não tem tempo para ter hobby” é a conclusão a que chegou Ana Paula.

Um estudo do IBGE do último ano (2024), revelou que as mulheres dedicam, em média, 21 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, comparadas a 11 horas gastas por homens nessas mesmas atividades, estatística ainda mais severa a depender do recorte analisado. Também a pesquisa bem-estar do Todas Group revela que apenas 51% das mulheres (foram mais de seiscentas entrevistadas) conseguem equilibrar sua vida pessoal com a profissional. A outra metade, imagino, está deixando seus pratinhos pessoais caírem, caquinho por caquinho.

Mas não paramos por aí. A verdade é que, mesmo quando encontramos tempo para nos dedicar aos nossos hobbies e os registramos com caneta de ponta fina na agenda, temos dificuldade em tratá-los apenas como fonte de satisfação individual. Precisamos dançar bem, ser mestres de cozinha e não é possível que eu pintei meu Bobbie Goods fora da linha. Lembramos de tudo e fazemos listas para não esquecer: a sapatilha do ballet, taças e tintas novas para pintar, vinho aberto e torta encomendada – mas esquecemos do principal: o lazer.

Escapamos, sem perceber, do próprio conceito de hobby: “atividade exercida exclusivamente como forma de lazer, de distração; passatempo”. 1

Basta um olhar atento aos principais brinquedos “para meninas” nas prateleiras para entender que, mesmo brincando, estamos, desde o princípio, praticando a utilidade da nossa existência. Meu brinquedo favorito foi uma cozinha (lindíssima, diga-se de passagem) que vinha com uma panela cheia de sopa de letrinhas.

Incrível, com sete anos de idade, eu era capaz de servir sopa para meus queridos filhos e marido imaginários. Com trinta, encontro dificuldade em me apresentar para além das funções que desempenho.

Mas aceito o desafio. Meu nome é LUciana, e além de amar ser chamada de Lu, eu amo ler (Elena Ferrante e José Saramago são alguns dos meus autores favoritos) e cozinho muito mal, mesmo tendo o sonho secreto (não mais) de ser confeiteira. Não tenho habilidades manuais, mas adoro colorir só pela mistura de cores. Canto mal, mas dirigir enquanto grito minhas músicas favoritas melhora até o consumo de gasolina do carro.

Amo escrever, e termino a coLUna de hoje te convidando a pensar no seu brinquedo preferido e naquilo que você ama fazer só por fazer. Do brilho nos olhos sem obrigação de ser boa. Apenas ser. Se até Irving B. sabe pintar pós Ruptura e se Mia Thermopolis tem tempo para um diário, nós ainda vamos encontrar nossos caminhos até nós mesmas e nossos hobbies.

1  Oxford Languages

Reply

or to participate.