[coLUna] #3: Era uma vez eu... e aí já não era mais.

Um desabafo sobre encerrar ciclos – e abrir mão do controle!

Era uma vez eu, no meio de um dia atarefado da última semana, passando por duas mulheres que, ao menos na fanfic que criei na minha cabeça, eram mãe e filha. A filha, na casa do que calculei como sessenta e poucos anos, parecia estar com a energia sincronizada com a minha: correria e uma urgência notável em fazer “tudo aquilo que tem que ser feito ainda hoje!!!!”. A mãe, a contrafluxo, com uma calma própria de quem já está alguns muitos passos à nossa frente, estranhou o desconforto da filha com um sinal vermelho e perguntou, antes de atravessarem a rua e seguirem um caminho diferente do meu, “Está com pressa de quê? De chegar ao cemitério?”.

Eu ri. Mas no fundo, a pergunta me pegou de jeito – e com certeza com uma profundidade maior do que a esperada pelo tom debochado da interlocutora. Mas é que se, assim como eu, você se encaixa no grupo de mulheres controladoras que tem a vida inteira planejada desde os seus sete anos de idade, você sabe que é muito difícil encontrar a calma (ou a ausência de pressa e de pressão) para tomar decisões.

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A verdade é que, pra quem tem o caminho milimetricamente calculado desde o dia zero, só a linha de chegada de importa. Há pressa porque precisamos chegar até a casa com jardim, e lá fazer um piquenique com os dois filhos perfeitos e o cachorro com coleira em formato de osso. Ou, a depender da visão, é preciso chegar até o apartamento com varanda em Paris, suficientemente perto da Torre Eiffel e da sua boulangerie favorita.

Em todos esses cenários, estamos sempre com pressa de chegar. Até que, boom!, a vida acontece e o inevitável (até para quem se achava digna controlar tudo, oi, prazer!) chega com a notícia mais assustadora de todas, embora óbvia: não existe linha de chegada e você vai fazer novos planos enquanto a vida acontece, no meio do caos mesmo.

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O que existe, na verdade, é a jornada que pode (ou não) levar àquele plano inicial, mas pode também abrir lugar (e portas e janelas e labirintos completamente loucos) para muitos outros sonhos, às vezes ainda melhores do que a mente teria sido capaz de criar.

Do lado de cá, imagine a surpresa!, no auge dos meus trinta e um anos, eu descobri não ser a mesma pessoa que eu era aos sete - ou aos vinte e dois. Meus sonhos também não são mais os mesmos – e talvez eles mudem quase tanto quanto eu mudo a organização das minhas gavetas.

tradução: essa é a sua vida - sinta-se à vontade para ser uma carta coringa. você não é obrigada a ser quem você era ontem | Fonte: Pinterest

Foi preciso uma transição de carreira e um recente reajuste de rota, com o fechamento da minha marca, para finalmente entender que as escolhas não são (ou não podem ser) uma prisão. Elas precisam libertar, mesmo que isso signifique revisitá-las várias vezes.

Nessa linha de ideias e porque é próprio da minha natureza dramática, tenho me colocado a pensar na finitude da vida. Mas não de forma exageradamente triste - e sim, nas palavras da Dra. Ana Claudia Quintana (sou fã!), de que a morte é, ou pode ser, se assim permitirmos, uma ferramenta empoderadora.

Esse pensamento ajuda a dar aos problemas a devida proporção e, principalmente, a escolher com fidelidade a quem somos. E não a quem, supostamente, deveríamos ser - na visão da sociedade, de outras versões de nós mesmos, dos nossos pais, amigos ou quem quer que seja.

Sei que não é tão fácil na prática. Mas, todo dia mais, me desafio a ser corajosa para fechar os ciclos que precisam ser fechados e dar lugar aos novos começos. Tudo isso sem perder de vista que nunca é tarde demais pra viver uma vida que, no cotidiano, faça sentido para a mulher que sou hoje - e não para a Luciana de sete anos, que sonhava em ser juíza, casada aos vinte e seis e mãe de dois filhos aos vinte e nove.

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Estou viva, sonhando e confirmo o que andam dizendo na internet: se a Carrie tinha trinta e dois anos de idade na primeira temporada, ainda há muito espaço para errar, mudar de ideia e também para construir sonhos novos.

Era uma vez eu. Ai mudei de ideia, mudei de rota, cortei o cabelo. Revi os sonhos, mudei de novo e mais umas cem vezes. Era uma vez eu. Mudei o caminho e, que mágico, acabei me reencontrando.

Aquela senhora tinha razão. Podemos atravessar a rua com calma – e ir em direção a nós mesmas quantas vezes for preciso. Esse mapa imutável que você carrega no fundo dos seus diários de adolescência é uma fantasia – e não há ampulheta nenhuma dizendo que é tarde demais pare reescrever sua história. “Está com pressa de quê?”.

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